Natacha

Somos muitos a chorar. Choramos não só por quem partiu mas por quem fica e pela dor que estão a sentir. Nomeadamente pelos pais, dos melhores que se pode ter, e pelo Daniel, a quem foi atribuído o titulo de marido há pouco mais de um ano.

Com sabedoria de senhor e de quem me leva umas décadas de avanço, o meu pai costuma dizer que dos vinte aos trinta nos sentimos imortais. Até então era assim que me sentia, a vida passava por mim sem que o pensamento deambulasse pela morte.

E agora, o que é que se faz? Do que é que se preenche uma vida que ficou por viver?

Somos muitos a chorar. Mas ela nunca chorava, e quando o fazia era de felicidade. Para mim ela será sempre a menina doce de 10 anos de idade que conheci na secretaria da escola atrapalhada procurando a que turma pertencia. Ela terá para sempre o sorriso largo e genuíno com que me presenteou no momento em que nos apercebemos que os nossos nomes estavam presentes na mesma lista.

Por ordem alfabética, primeiro o meu, depois o dela: Natacha Alves.

Desde desse dia até ao final dos nossos estudos fomos unha e carne. Fomos sol e sombra. Juntas experienciámos a intensa viagem que é a transição que vai da infância à adolescência. Uma viagem que nunca teria sido tão rica em momentos felizes se não os tivéssemos vivido juntas. Foi ela a quem primeiro contei alguns dos episódios mais especiais da minha vida como o meu primeiro beijo e tantos outros que serão para sempre segredo só nosso.

Quando procuro por ela no meu pensamento dou por nós a ver episódios da Kim Possible, a comer bolo mármore e a esconder as migalhas debaixo do sofá; a jogar basquetebol; a passarmos cábulas uma à outra dentro do dicionário de Alemão durante os testes; a embarcarmos no autocarro que nos levou na nossa primeira viagem sem a companhia dos pais onde acampámos em Espanha; a sairmos pela primeira vez à noite; a frequentarmos aulas de dança; a partilharmos o palco; a fazermos playback das músicas da Destiny Child em frente ao espelho; a admirá-la a fazer motocross enquanto desejava ter metade da sua coragem; a irmos ao cinema ver o primeiro filme do Harry Potter...enfim, um tesouro imenso de memórias onde ela perdurará.

O seu aniversário era dos poucos que o Facebook não precisava de me relembrar, costumava saber o seu número de cor, trato os seus pais por “tu”, tenho uma colecção imensa de CDs que ela me gravou e a nossa amizade impressa em centenas de fotografias analógicas...

A morte não é o esquecimento. É um até já, onde nos reencontraremos para prosseguir e perseguir os sonhos adiados.

O lugar desta minha irmã é agora nessas planícies eternas que são as lembranças onde sei que sempre que a procurar a encontrarei a sorrir...


A lot of us cry. We cry not only for who has left but also for who stays, and for the pain they are feeling. Namely for the parents, the best ones she could have asked for, and for Daniel, who had been her husband for just over a year.
With the wisdom age has given him, my father often says that between the age of twenty and thirty we feel immortal. Until this week, that's how I felt, life passed through me and my thoughts rarely wandered through death.
And what now? What fills up a life that had yet so much to be lived?

A lot of us cry, but she rarely did. When she cried, she cried with happiness. 

For me she will always be the sweet ten year old girl I met in the school office looking for which class she belonged to. She will always have that big and genuine smile that she offered to me in the moment we both realized our names were on the same list.


In alphabetical order, first mine, then hers: Natacha Alves.


From that day until the end of our studies we were hand and glove. We were the sun and the shade. Together we experienced the intense journey that is the transition from childhood to adolescence. A journey that would never have been so rich in happiness if we had not lived it together. It was she who I first told some of the most special episodes of my life, my first kiss and so many others that will forever be our secret.


When I look for her in my mind, I see us watching Kim Possible episodes, eating marble cake and hiding the crumbs under the sofa; playing basketball; passing information to each other inside the German dictionary during exams; boarding the bus that took us on our first trip without the company of our parents where we camped in Spain; partying for the first time; attending dance classes; being on stage; lip singing Destiny Child's songs in front of the mirror; going to the movies to watch the first Harry Potter film; admiring her doing motocross while wishing to have half her courage... anyway, an immense treasury of memories where she will forever last...

Her birthday was one of the few that Facebook did not need to remind me of, I used to know her phone number by heart, I treated her parents as if they were mine, I have a huge collection of CDs that she recorded for me and our friendship printed on hundreds of analog photographs ...


Death is not forgetfulness. It is a “until one day”, where we will meet again to pursue postponed dreams.


My sister lives now in these eternal plains that are memories. Where I know that, whenever I look for her, I will find her smiling...


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