A day at the studio w/ my friend Dino D'Santiago

Clouds swallow the light and a slow rain dies outside. Ah, the English summer! Inside we are in Africa, Cape Verde, more precisely in the island of his forebodings which gave him his stage name, Dino D'Santiago. Interestingly I've also inherited at birth this same surname from my father. Although I have never visited it and, as far as I know, have no ancestors from the island, I feel somewhat close to this magical place where the air breaks of thirst to which Dino so often refers with love.

As nuvens engolem a luz e uma chuva lenta morre lá fora. Ah, o verão inglês! Cá dentro estamos em África, Cabo Verde, mais precisamente na ilha dos seus pressentimentos e que lhe legou o nome artístico de Dino D'Santiago. Curiosamente também eu herdei do meu pai à nascença esse mesmo apelido. Apesar de julgar não ter antepassados provenientes da ilha e de nunca a ter visitado, sinto-me de alguma forma próxima desse lugar mágico onde o ar estala a sede a que Dino tantas vezes se refere com amor.


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I remember that as a teenager, long before African rhythms were as universally admired as they are today, my body instinctively responded to the kizomba's cadence: one, two, three, pause and repeat. Dino, at the time known as Claudino Pereira, was often my mentor and dance-floor partner, we slid over and over like liquid matter as if we had rehearsed the choreography repeatedly.

Lembro-me que na adolescência, muito antes dos ritmos africanos serem tão admirados como são hoje em dia, o meu corpo respondia instintivamente à cadência da kizomba: um, dois, três, pausa e repete. O Dino, na altura conhecido como Claudino Pereira, foi muitas vezes meu mentor e parceiro de pista, deslizámos vezes sem conta que nem matéria liquida como se tivéssemos ensaiado a coreografia repetidamente.


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Music speaks to parts of us that consciousness has no access to. Proof of this right here in the studio is Nossa, the Nigerian producer, partly responsible for the production of Dino's new album. Never before having created a morna, a genre of Cape Verdean music characterised by a slow rhythm and melancholic lyrics that address topics such as longing, love and distance, Nossa was able to compose the most beautiful morna I've ever heard. For this feat, he referred only to a voice note sent by Dino through WhatsApp where he sang an improvised melody alluding to that same style.

A música fala com partes de nós às quais a consciência não tem acesso. Prova disso mesmo aqui no estúdio é Nossa, o produtor nigeriano, responsável em parte pela produção do novo álbum do Dino. Sem nunca antes ter criado uma morna, um género de música cabo-verdiano caracterizado por um ritmo lento e letras melancólicas que abordam temas como a saudade, o amor e a distância, Nossa, foi capaz de compor a mais bonita morna por mim alguma vez escutada. Para tal proeza referiu-se apenas a uma nota de voz enviada pelo Dino através do WhatsApp onde este entoou um melodia improvisada aludindo a esse mesmo estilo.


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As the song travels for the first time through my pores creating goosebumps, I realize that I may be witnessing the creation of a classic. A morna that will one day be sung all over the world with eyes closed and a hand resting on the left side of the chest, the same way people nowadays sing “Sodade” by the acclaimed Cesária Évora. While the song plays, Dino translates to Portuguese the verses that he is singing in Creole. Such uncomplicated lyrics and yet so great that they can't fit in the ocean. Whoever can write poems like this saves a nation.

Enquanto a música viaja pela primeira vez pelos meus poros criando arrepios, apercebo-me que talvez esteja a testemunhar a criação de um clássico. Uma morna que um dia será cantada pelo mundo inteiro de olhos fechados e mão pousada no lado esquerdo do peito, tal como se canta o “Sodade” da aclamada Cesária Évora. Enquanto a canção toca, Dino traduz para Português os versos que canta em crioulo. Tão descomplicados e, ainda assim, de uma grandeza tal que nem no oceano cabem. Quem faz poemas assim salva uma nação.


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The world, within these four walls, suffers no riddles. Once translated into musical notes, here the dilemmas of life crumble to dust. A therapeutic process which is also, in my view, divine. After all, what are musicians if not some kind of God? People gather to hear them, their words are prayers with healing powers, and their voices an immortal, indelible and invisible matter. Divine or not, his presence transcends, exudes and overflows with love. Dino is characterized by his disconcerting simplicity and a smile that dispels fear. He writes, sings and dances because otherwise, he would die of absence.

O mundo, dentro destas quatro paredes, não sofre enigmas. Uma vez traduzidos para notas musicais, aqui os dilemas das vida desfazem-se em pó. Um processo terapêutico e, a meu ver, divino. Afinal o que são os músicos se não uma espécie de Deuses? As pessoas fazem roda para os ouvir, as suas palavras são orações com poderes cicatrizantes e as suas vozes matéria imortal, indelével e invisível. Divina ou não, a sua presença transcende, transpira e transborda de amor. Dino é senhor de uma simplicidade desconcertante e de um sorriso que afasta o medo. Ele escreve, canta e dança porque caso não o fizesse morreria de ausência.


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It's all as natural to him as breathing. Sitting here next to me, he writes another block to complete this musical puzzle. There is an urge to untie the knots in his throat and to let love fill the space of anger. He sings to himself the verses he has just written in a single burst and, finding that everything fits rightfully, rushes to the magic box to eternalise the moment into music.

É lhe tão natural como respirar. Aqui sentado ao meu lado escreve mais uma quadra para completar este puzzle musical. Há uma urgência em desamarrar os nós da garganta e em deixar que o amor preencha o espaço da raiva. Canta para si os versos que acabou de escrever de uma só rajada e, verificando que bate tudo certo, corre para a caixinha mágica para eternizar em música o momento.


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Now sat on the couch, we hear the song from beginning to end. We listen to it over and over again, almost to exhaustion. And each time, my skin does not fail the repeated manoeuvre of having goosebumps. On the walls of the studio live vinyl by some of the world's most iconic artists, other Gods, Aretha Franklin, Roberta Flack, Kendrick Lamar, The Four Troops, etc. I imagine that today they are all here with us, bouncing their heads to the rhythm of the virgin sounds that break through the columns and celebrating life led by a common thread to them all: music.

De novo no sofá, escutamos a morna agora completa. Ouvimo-la uma e outra vez até quase à exaustão. E, de todas as vezes, a minha pele não falha a manobra repetida de se arrepiar. Nas paredes do estúdio moram vinis de alguns dos artistas mais icónicos do mundo, outros Deuses, Aretha Franklin, Roberta Flack, Kendrick Lamar,The Four Troops, etc. Imagino que hoje estejam aqui todos connosco, balançando a cabeça ao ritmo da virgindade dos sons que irrompem pelas colunas e celebrando a vida conduzida por um fio a todos eles comum: a música.


Thank you for reading / Obrigada pela visita.

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